As mulheres são maioria em todos os níveis de ensino e sua escolaridade supera em mais de um ano a masculina. Porém, seus salários são 30% inferiores aos dos homens na mesma função, e elas ocupam apenas 56 das 594 cadeiras do Congresso Nacional. Nas Filipinas, onde há muito as mulheres alfabetizadas são mais do que os homens, 17,8% delas se graduam na universidade, contra 8,2% dos homens, segundo a Comissão Nacional sobre o Papel da Mulher.
Mas as filipinas se concentram em carreiras como educação e saúde, e ficam fora das de engenharia e direito, áreas dominadas em mais de 80% por homens. Também na África do Sul elas são maioria nas universidades, embora não em carreiras de tradição masculina, como engenharia. E tampouco ocupam posteriormente muitos cargos de direção.
No Chile, as mulheres também superam os homens em educação, segundo o governamental Índice de Iniquidade Territorial de Gênero 2009, que considera o analfabetismo, anos de escolaridade e cobertura do ensino básico e médio. Porém, as chilenas perdem em participação trabalhista, com 42%, e seu nível salarial é 30% inferior ao de seus colegas homens.
“A educação sozinha não faz milagres”, pois mudar valores é mais complexo e “enquanto não houver creches para todas as famílias, não haverá mudanças estruturais na participação feminina no mercado de trabalho”, disse Fulvia Rosemberg, pesquisadora da brasileira Fundação Carlos Chagas, ao lançar um olhar sobre a desigualdade de oportunidades entre os gêneros.
O Brasil vale como exemplo. Apenas 18% dos meninos de zero a três anos frequentam creches, disse ao TerraViva. Além disso, em geral as escolas recebem as crianças por apenas meio período, impondo tripla jornada de trabalho às mulheres, privando-as de “condições comparáveis” às dos homens, afirmou a também professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A isso se soma o mesmo ensino. O currículo, os livros e a forma de educar reproduzem preconceitos que desvalorizam o papel feminino, o confinam no lar, a trabalhos e carreiras pouco valorizadas, acrescentou. Na universidade, a maioria das mulheres escolhe as ciências humanas e os homens as áreas de exatas e tecnológicas.
A escolaridade feminina progrediu rapidamente, mas as mudanças culturais são lentas e as institucionais ainda mais, disse Moema Viezzer, socióloga fundadora da Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e do Caribe, cuja campanha por uma educação não sexista acontece, há 29 anos, todo dia 21 de junho.
Foram necessárias décadas de luta do movimento antes da admissão de mulheres no governo e no Supremo Tribunal brasileiro. A VI Conferência Mundial sobre a Mulher, de 1995, em Pequim, representou “um salto quantitativo”, ao impulsionar políticas públicas, com o Estado assumindo programas antes limitados a organizações não governamentais, disse Viezzer.
Desde ontem e até o dia 12 deste mês acontece, na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, a conferência da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, para avaliar o cumprimento dos compromissos assumidos há 15 anos. O acesso das mulheres a todos os níveis educacionais foi uma das 12 prioridades da Plataforma de Ação de Pequim.
Além de um ensino com enfoque de gênero adequado, são necessárias muitas ações afirmativas e uma educação popular para a igualdade de gênero, defendeu Viezzer. A melhor escolaridade feminina se impõe onde conta o esforço pessoal e a capacidade, mas não quando entram em jogo relações, negociações, a promoção por recomendação de chefes, disse Schuma Schumacher, coordenadora da não governamental Rede de Desenvolvimento Humano do Brasil.
Um quadro pior na África - No plano mundial, a porcentagem de meninas sem instrução caiu de 58% para 54% entre 1999 e 2007, segundo o Informe de Acompanhamento da Educação para Todos no Mundo 2010. Isto é, o acesso feminino no ensino primário continua abaixo do masculino.
Na África subsaariana havia 89 meninas para cada cem meninos na escola primária em 2006, segundo o Informe dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A situação é pior no ensino secundário, onde as adolescentes caem para 80 para cada cem. No conjunto do ensino, elas constituem 55% das excluídas.
A realidade subsaariana, de muita pobreza, fome, guerras e epidemia de síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids), trava a escolaridade e fomenta a deserção escolar, especialmente de meninas, disse a sul-africana Muleya Mwananyanda, coordenadora da Semana de Ação da Campanha Mundial pela Educação.
Estima-se que 12 milhões de meninas nunca irão à escola, contra sete milhões de meninos. As atitudes estão mudando lentamente nessa parte do mundo. Ainda se vê “com suspeita a educação feminina, sobretudo nas comunidades onde o modelo patriarcal corre risco de se desbaratar”, disse Mwananyanda.
Mas há razões para otimismo, se considerarmos o efeito multiplicador. “Uma mulher me disse assim ‘educar uma menina é educar uma aldeia inteira’, pois as mulheres instruídas enviarão suas filhas para a escola”, afirmou. Dezessete dos 41 países subsaarianos estudados no informe da Educação para Todos alcançaram a igualdade de meninas e meninos na escola primária.
Exceções - Essa região africana vai contra a corrente da tendência mundial. Na América Latina e no Caribe havia 107 meninas para cem meninos na escola secundária em 2006, enquanto na Ásia oriental e no sudeste asiático a proporção era de 101 e 102 para cem, respectivamente, superando inclusive a paridade das regiões do Norte industrial.
Entretanto, no segundo maior país latino-americano, o México, perderam força as políticas educacionais com perspectiva de gênero, impulsionadas a partir de Pequim. Um avanço em matrícula e presença escolar produziu uma “equiparação de matrícula entre homens e mulheres” e atenção para os temas de educação profissional, pós-graduação e eliminação de estereótipos, disse ao TerraViva Clara Jusidman, presidente da não governamental Iniciativa Cidadã e Desenvolvimento Social.
Entretanto, desde 2000, quando chegou ao poder o conservador Partido Ação Nacional, primeiro com Vicente Fox e desde 2006 com Felipe Calderón, a educação retomou os antigos valores e estereótipos nos papeis dos homens e das mulheres. Ainda em pleno século XXI, “há Estados mexicanos governados por conservadores que não permitem livros com texto contendo informação sobre educação sexual e direitos reprodutivos”, disse Jusidman.
Educação machista dada por mulheres - Em todo o mundo as educadoras são maioria. Mas isso não evita que o ensino tenha um caráter sexista, pró-masculino e discriminador difícil de corrigir, segundo as mulheres organizadas. O machismo sobressai nos livros didáticos, onde personagens femininas, minoritárias e secundárias, aparecem mais no contexto familiar, em trabalhos domésticos, como seres passivos e servis, contrastando com os masculinos ativos, autônomos e criativos.
As autoridades educacionais das Filipinas ofereceram treinamento em gênero para autores e editores de livros escolares, quando um Comitê das Nações Unidas condenou, em 1997, os estereótipos em textos e materiais de instrução que reforçam a imagem de subordinação feminina. Mas essas iniciativas ficaram na fase-piloto, e faltam políticas para integrar a igualdade de gênero aos programas educacionais desde o jardim da infância, disse a professora Aurora de Deus, diretora do Instituto de Mulheres e Gênero, de Manila.
”O lugar da mulher é a cozinha” soa muito antigo, mas é um preconceito que persiste na sociedade como um dos fatores que faz “o mundo do poder e do domínio ser quase essencialmente masculino”, disse a brasileira Vera Vieira, da Rede Mulher de Educação. São visões reafirmadas pelos livros infantis.
No Chile, os textos escolares têm enfoque de gênero desde 2008. “Houve uma intervenção na linguagem, tornando visíveis ‘meninas’ e ‘meninos’, e as imagens, evitando figuras estereotipadas como mulheres fazendo trabalho doméstico”, e assim resgatando a contribuição feminina para o desenvolvimento do país, explicou Juana Aguirre, responsável de gênero do Ministério da Educação.
A reforma curricular de 2009 incorporou a dimensão de gênero em cinco áreas, como matemática e linguagem, além de estratégias para corrigir o “currículo oculto” nas relações entre educadores e alunos, acrescentou.
No Brasil, o Ministério da Educação adotou, em 1996, uma avaliação dos mais de cem milhões de livros didáticos que compra e distribui anualmente nas escolas, vedando os que expressam “preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação”. Fulvia Rosemberg, da Fundação Carlos Chagas, duvida dos critérios aplicados por avaliadores especializados em suas disciplinas, mas não em “sexismo e racismo discursivo”. Além do mais, o Ministério condena “preconceitos”, não “estereótipos”.
O ensino discriminador não impede, porém, que as meninas e mulheres tenham melhor desempenho do que os homens, colocando em xeque as análises sobre os efeitos do sexismo nos livros, acrescentou. (* Por Mario Osava, da IPS com as colaborações de Nastasya Tay (Johannesburgo), Kara Santos (Manila), Emilio Godoy (México) e Daniela Estrada (Santiago). Fonte: revista Envolverde)