Ilha Solteira, Itapura, Fernandópolis, Mirassol, Patos de Minas, Cambará. Multiplicam-se os casos de cidades brasileiras que adotam o chamado “toque de recolher” para crianças e adolescentes. As medidas estabelecem faixas de horários em que pessoas com idade inferior a 18 anos podem estar na rua desacompanhadas de responsáveis. O Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares (FCNCT) já se manifestou oficialmente contrário. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) também aprovou parecer contrário a essas decisões. Ambos classificam a medida como desrespeitosa e retrógrada, por ferirem direitos já garantidos por lei a esses cidadãos.
O Presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, Ricardo de Moraes Cabezón, lembra que o artigo 149 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) não prevê a restrição do direito à liberdade de crianças e adolescentes de forma genérica, e sim restrições de entrada e permanência em certos locais e estabelecimentos, que devem ser decididas caso a caso, de forma fundamentada. “Nele está descrito que estão vedadas as determinações de caráter geral, como ocorreram nesses casos”, explica Cabezón.
Por outro lado, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dalmo Dallari, não analisa a medida como restrição ou proibição, mas sim como um condicionamento para o jovem permanecer na rua após determinado horário. “A lei não proíbe de maneira alguma a circulação. Os juízes apenas determinam condições para isso, como o acompanhamento dos pais. Está tudo de acordo com o ECA, que determina que o Estado proteja o menor de situações de violência e de exploração”, afirma.
Apesar disso, o parecer do Conanda coloca que “as portarias judiciais não podem contrariar princípios constitucionais e legais, como o direito à liberdade, previsto nos artigos 5 e 227 da Constituição Federal Brasileira, e nos artigos 4 e 16 do ECA - direito à liberdade, incluindo o direito de ir, vir e estar em espaços comunitários”.
Algumas cidades demonstram números positivos em relação à redução dos índices de violência após a implementação da medida. Apesar disso, Cabezón lembra que isto se deve ao aumento do número de mecanismos de vigilância, como maior quantidade de viaturas policiais nas ruas e maior atuação dos Conselhos Tutelares.
Enquanto isso, o professor Dallari afirma que “de qualquer maneira é um efeito positivo. Não importa saber o que determina. O que importa é que graças ao toque de recolher, houve uma diminuição da violência na cidade. E não só contra a criança e o adolescente. A cidade está mais vigiada. No geral, o essencial é uma ação preventiva, o que nunca se fez”.
O professor Dalmo também defende a criação de uma rede de atendimento, descartando uma maior duração do toque de recolher. “Uma coisa não exclui a outra. Mas enquanto se aperfeiçoam os mecanismos de controle desta forma de criminalidade e agressões à sociedade, é melhor que exista essa regulamentação da saída noturna”, completa o professor. “Se a lan house não é um lugar bom para o meu filho, não é bom para ninguém. Estaríamos punindo a ferramenta, ao invés do conteúdo ou dos atos criminosos. Se na rua há maus hábitos e violência, com a medida estamos punindo as vítimas e não os agressores”, finaliza Cabezón. (Fonte:Envolverde/Aprendiz)