Por que as prefeituras não fecham as contas se suas receitas aumentaram nos últimos anos e a maioria delas exibe um perfil financeiro melhor e até vantajoso em relação aos estados e à União? Na avaliação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), na raiz de toda a problemática está a sobrecarga dos municípios no que diz respeito à divisão de responsabilidades do setor público na prestação de serviços básicos à população. Segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, existem atualmente 180 programas federais para estados e municípios que acarretam despesas adicionais para as prefeituras.
"Se existe algo andando nesse Brasil na área social é por conta das prefeituras, as maiores torpedeadas nisso tudo", critica Ziulkoski. "Num momento de crise como este, as prefeituras estão mal em boa medida porque os prefeitos não se espelham nos seus governadores e nem no presidente da República", afirma o presidente da CNM, que no próximo dia primeiro assume o quinto mandato à frente da entidade fundada em 1980 e que hoje representa 3.600 prefeituras filiadas de todos os portes e em todos os estados do país.
Segundo o presidente da entidade, se as prefeituras agissem como os governos estaduais e federal - "empurrando as responsabilidades para os outros entes federativos" -, não teriam tantos problemas, como a penúria de recursos em caixa que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberar recentemente R$ 1 bilhão para compensar a queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), atingidos em cheio pela arrecadação menor do Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tributos federais compartilhados com estados e municípios. Esses impostos sofreram o impacto do desaquecimento econômico e, principalmente, da isenção concedida pelo Planalto ao setor de automóveis.
"Pergunte aos prefeitos de todo o Brasil se algum deles conta com um funcionário cedido pelo governo estadual ou pela União e você não vai encontrar nenhum. Agora pergunte qual município tem 50 ou até 100 servidores cedidos para órgãos de governos estaduais, como Judiciário, empresas de extensão rural, Junta Militar, Previdência Social, entre outros, e encontrará um monte deles", enfatiza. Por isso, segundo o dirigente municipalista, as razões estruturais reforçam as dificuldades conjunturais do momento enfrentadas pelos governos locais, em decorrência da redução nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Essas duas receitas é que sustentam quase a totalidade das prefeituras.
Ainda de acordo com Ziulkoski, se alguns artigos da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal fossem respeitados e, com isso, proibida a prática comum de um ente federativo ceder servidores para outro enquanto não forem supridas todas as necessidades locais (no caso dos funcionários requisitados das prefeituras para preencher vagas de servidores estaduais e federais). "Se existisse uma fiscalização rigorosa sobre isso e os prefeitos fossem obrigados a seguir a lei, livrando-se das pressões de governadores e ministros, certamente as despesas com a folha do funcionalismo das prefeituras cairiam muito", assinala o presidente da confederação. "Da mesma forma, os gastos de manutenção da máquina seriam bem menores se as prefeituras não tivessem mais de colocar gasolina nos carros a serviço dos programas federais e estaduais", acrescenta.
Como exemplo, Ziukoski cita o Programa Saúde da Família, do governo federal. Segundo ele, a União repassa em média R$ 6 mil a R$ 8 mil para as prefeituras implementarem o serviço realizado geralmente por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, mais agentes comunitários. "O custo total do programa dificilmente fica menos de R$ 23 mil ao mês. Portanto, são cerca de R$ 16 mil mensais que saem do tesouro municipal para fazer esse programa funcionar", destaca o presidente da CNM. Ele lembra que existem ao redor de 30 mil equipes do Saúde da Família atendendo cerca de 90 milhões de brasileiros.
Difícil parar - Na opinião do dirigente municipalista, as iniciativas do governo federal que acarretam em despesas adicionais dos municípios cresceram muitos nos últimos anos, em decorrência da ênfase dada pelo governo do presidente Lula às áreas sociais. "Os cidadãos gostam desse aumento de benefícios e serviços, e nós não somos contra. Apenas estamos preocupados porque a população não vai aceitar o fim deles e não há nenhuma movimentação no sentido de se rediscutir a divisão de responsabilidades que essas iniciativas trazem para as prefeituras, que já são a parte governamental mais pressionada pelos contribuintes, exatamente por estar na ponta da linha", comenta.
"O que está acontecendo agora é um caminho sem volta e ninguém discute o famigerado pacto federativo firmado na Constituição de 1988. Esse é o verdadeiro nó da questão. Os reflexos da crise econômica no caixa das prefeituras é só uma pontinha do icerberg", ressalta Ziulkoski. Ele acrescenta que todas as iniciativas do governo federal para melhorar os indicadores sociais, como mortalidade infantil, redução das internação, combate ao analfabetismo, ampliação de creches, entre outras, são louvárias. "O problema é recair sobre os nossos ombros o financiamento disso, como acontece com o Fundef", diz, referindo-se à complementação que, segundo ele, chega a mais de 100% nas verbas federais para o fundo de valorização do ensino fundamental.
Mais recentemente, o governo Lula decidiu que até o final de 2010 serão atendidos em creches públicas 50% das 14,5 milhões de crianças de zero a 3 anos existentes no Brasil - apenas 1,3 milhão delas estão contempladas hoje no sistema de ensino público. "Ou seja, em pouco mais de um ano teremos de dar um jeito de colocar nas creches de escolas públicas municipais cerca de 7 milhões de crianças e ainda não sabemos como fazer isso", explica.
"As prefeituras não têm mais condições de cumprir tudo isso, de servir ao mesmo tempo a Deus e ao diabo, ajudar o governador, o presidente da República, e ainda ouvir de todo mundo que somos incompetentes", conclui o presidente da CNM, um peemedebista que é menos alinhado ao Palácio do Planalto do que a Frente Nacional dos Prefeitos - composta por capitais e há várias gestões dirigida por prefeitos do PT. (Fonte: Gazeta Mercantil)