Municípios ignoram lei de saneamento

O prazo estabelecido pela lei para a elaboração de planos municipais de saneamento básico (PMSB) acaba no fim deste ano, mas governo federal e prefeituras pretendem forçar uma prorrogação diante da constatação de que a imensa maioria dos municípios brasileiros não tem condições de cumprir a data, principalmente por falta de condições técnicas e financeiras. Autoridades planejam alterar o marco regulatório do setor, em vigor desde 2007, por temerem atrasos na expansão do serviço de tratamento de água e esgoto no país e desperdício da oportunidade de transferir bilhões de reais em recursos federais, que atualmente jorram para projetos do setor.

A União determina que, passado o prazo, as cidades que não fizeram seus planos não poderão ter acesso a recursos federais para projetos de água e esgoto. São ao menos R$ 11 bilhões em jogo que devem ser disponibilizados em 2011 para saneamento por fontes federais como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com R$ 5,3 bilhões disponíveis para obras, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com R$ 2,5 bilhões, e o Orçamento Geral da União (OGU), com R$ 3,6 bilhões.

O Ministério das Cidades só terá um número preciso dos municípios que já realizaram seu planejamento quando for publicado o próximo Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos. O último relatório é referente ao ano de 2007. Até o momento, segundo Sérgio Gonçalves, diretor de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do ministério, o que se tem é uma percepção de que poucas administrações municipais caminharam no sentido de se adaptar à legislação. "Observa-se uma dificuldade das cidades em cumprir o prazo", diz.

Raul Pinho, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, entidade que promove o desenvolvimento do setor, estima que "nem 300 cidades têm planos adequados" em todo o país. O plano municipal de saneamento básico (PMSB) é uma espécie de bíblia do serviço. Trata-se de documento técnico que apresenta diagnóstico detalhado em determinada localidade e normalmente é usado como referência para a assinatura de contratos com concessionárias, inclusive definindo tarifas e contrapartidas: identifica deficiências e necessidades por meio de indicadores; traz estudo financeiro para prestação do serviço; designa entidade regulatória e de fiscalização; prevê mecanismos de avaliação sistemática; e estabelece metas de curto, médio e longo prazos para a universalização do sistema.

Para não prejudicar os investimentos, a intenção do Ministério das Cidades é dar um ano a mais para que os municípios interessados em obter recursos federais formulem seus planos. A saída foi incluída na versão da regulamentação da lei enviada ao Palácio do Planalto e depende da aprovação do presidente Lula. "O decreto de regulamentação prevê extensão do prazo, dando mais um ano desde que as cidades mostrem empenho", adianta Gonçalves.

Durante os três anos após a entrada em vigor da Lei do Saneamento, a necessidade de regularizar contratos vencidos ou precários com as companhias estaduais de água e esgoto pressionou os municípios a correr atrás dos PMSB. O prazo para realizar essa regularização também expira no fim deste ano. As empresas estaduais têm dado apoio aos municípios que não possuem capacidade técnica para trabalhar o plano dentro do prazo. Segundo o superintendente-executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Walder Suriani, isso é importante por causa da complexidade das exigências da lei. "Há critérios descabidos, e essa ajuda é importante porque não é a maioria dos municípios que está empenhada em elaborar seus planos", diz ele.

O planejamento municipal serve para nortear o contrato com a empresa prestadora do serviço e dar força para a prefeitura exigir resultados da empresa contratada. Com seu planejamento em mãos, a prefeitura de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, está discutindo seu novo contrato com a Sabesp. Segundo o prefeito da cidade, Marcelo Cândido (PT), a negociação está em torno da compatibilização entre o que vai ser investido e arrecadado pela Sabesp. "No plano temos toda a perspectiva do que a cidade precisa de investimento, e com isso podemos estabelecer as regras para um novo período de concessão do serviço à Sabesp", relata Cândido.

Para os municípios operados por autarquias municipais - cerca de 1,8 mil -, a restrição de acesso a recursos federais preocupa, segundo Arnaldo Dutra, presidente da Assemae, entidade que representa as empresas municipais de saneamento. Ele acredita que o prazo para formulação dos planos é importante para forçar a ação, mas que não pode ser algo engessado, com o risco de atrapalhar o processo. "A intenção da lei é de que os planos sejam construídos com participação popular e que eles impulsionem o desenvolvimento do setor. Não adianta, por pressa, não fazer direito", reclama ele.

O cenário verificado pela Assemae também é de muitos municípios com dificuldade para cumprir esse prazo, mas Dutra não considera que isso ocorreu por má vontade das prefeituras, e sim por outras dificuldades. "É uma lei complexa que exige tempo para ser compreendida, depois tivemos mudança de prefeitos no meio do caminho, e também há dificuldade das prefeituras em financiar os estudos", complementa Dutra.

Segundo ele, a elaboração de um PMSB custa cerca de R$ 100 mil para cidades de 70 mil a 100 mil habitantes. Dessa forma, além de dar um tempo maior para que os planos sejam feitos, a entidade defende que o governo ajude financeiramente municípios menores. Hoje, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) possui programa de financiamento de estudos com verba do FGTS e atende a cerca de 30 cidades. Um plano nacional para o setor também está sendo elaborado pelo Ministério das Cidades. (Jornal Valor Econômico)