Os municípios e o Ministério da Educação começaram 2010 em rota de colisão por causa da Lei nº 11.738, que instituiu o piso salarial nacional para os docentes da rede pública de ensino básico do País. O professorado é a única categoria profissional a ter um salário mínimo próprio. Quando a lei foi aprovada, em julho de 2008, 37% dos docentes recebiam menos do que o piso nacional, fixado em R$ 950. Na última semana de 2009, o ministro Fernando Haddad o reajustou em 7,86% e a iniciativa não foi bem recebida pelos prefeitos.
Como muitos municípios não podem arcar com esse gasto, a Lei nº 11.738 tinha uma regra de transição que os autorizava a pagar até dois terços do piso nacional, em 2009, obrigando-os, no entanto, a pagar o salário mínimo completo a partir de 2010. Apesar de não haver estimativa de quantos municípios continuam sem caixa suficiente para cumprir essa determinação, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) reclamam da dificuldade financeira de cumprir a lei e querem que a União continue ajudando-os também em 2010, o que não está nos planos do MEC.
Para o ministro Fernando Haddad, como em 2010 a União fará aos Estados e municípios uma transferência adicional de R$ 1 bilhão, resultado do aumento dos repasses federais para merenda e transporte escolar, todas as prefeituras estariam em condições de arcar com o reajuste. Ele também lembrou que as verbas do Fundeb, que, em 2009, totalizaram cerca de R$ 5 bilhões, deverão aumentar para R$ 7 bilhões este ano. "Com essas alterações, o reajuste de 7,86% no piso é suportável", afirmou Haddad, depois de lembrar que os professores que não receberem o salário mínimo poderão ingressar com ações na Justiça, dar queixa ao Ministério Público e pedir providências aos Tribunais de Contas.
Para os dirigentes da CNM e da Undime, o ministro estaria fazendo "propaganda enganosa". Segundo eles, merenda e transporte escolar envolvem dinheiro de transferência voluntária, enquanto o pagamento do salário mínimo do professorado é despesa fixa imposta por lei. "Para cumprir o piso salarial nacional, as prefeituras serão obrigadas a tirar recursos de outras áreas, que também têm suas necessidades. O ministro quer que os prefeitos sejam acusados de desviar dinheiro de merenda para pagar salários", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
Além das reclamações de dificuldades financeiras, a imposição de um salário mínimo nacional para o professorado gerou um problema jurídico. Para cumprir a Lei nº 11.738, muitos prefeitos somaram as gratificações e demais benefícios dos docentes ao salário-base, para efeitos de cálculo do piso salarial nacional. Para o MEC, no entanto, os anuênios, os quinquênios e a "sexta parte" seriam complementares ao piso nacional.
A discussão foi acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar aos municípios, autorizando a inclusão dos benefícios funcionais no cálculo do salário. Agora os prefeitos receiam que, ao julgar o caso no mérito, o STF acolha a tese do governo. Se isso ocorrer, dizem os dirigentes da CNM e da Undime, muitas prefeituras que cumpriram em 2009 as determinações da Lei nº 11.738 ficarão impossibilitadas de fazê-lo.
"A maioria absoluta hoje paga o piso em forma de complementação, seja via gratificação por tempo de serviço ou pela formação de ensino superior, seja por outros penduricalhos", diz o presidente da Undime, Carlos Sanchez, que também é secretário municipal de Educação de Castro, cidade paranaense a 160 quilômetros de Curitiba. A entidade por ele presidida também reivindica um repasse de R$ 400 milhões do Fundo de Participação dos Municípios só para cobrir o que as prefeituras gastaram em 2009 para pagar o piso.
O salário mínimo nacional é uma medida importante para valorizar o magistério público. Mas, como se tornou rotineiro no atual governo, ele foi imposto de modo açodado e os prefeitos estão com razão, quando afirmam que o MEC ficou com o prestígio político e os municípios, somente com os encargos financeiros. (Fonte: O Estado de S. Paulo – SP)