Para quem tem pouco, uma gota vale muito. Mais do que água, as mulheres comemoram a chegada da evolução. É a esperança que sai em gotas. Tem gente vendo rabanete e beterraba pela primeira vez na vida. No distrito de Alegre, em Condeúba, 28 famílias já produzem 23 tipos de hortaliças. Análises técnicas feitas em São Paulo mostraram que a terra é ótima. Só faltava água. Onde a gotinha cai, a vida cresce sem agrotóxicos, só com esterco de vaca e pó de carvão, para segurar a umidade.
Hortas comunitárias ajudam no problema de abastecimento no nordeste da Bahia A história começou com um grupo de profissionais do interior de São Paulo. Inconformados com a pobreza, eles se organizaram para acabar com o isolamento tecnológico de 13 municípios do Vale do Rio Gavião, no norte de Minas Gerais e sudoeste da Bahia. Em um ano, 48 equipamentos foram instalados.
A água vem do poço. Os voluntários ensinaram, os agricultores furaram e se surpreenderam. No chão que eles acreditavam seco, a água brotou a quatro metros de profundidade. As hortas são feitas em mutirão. Para a comunidade de Alvorada, o grande dia chegou. Gilmar e Vladimir guiam o arado puxado por boi. A jumenta Bitinha traz o esterco, e começa a transformação.
No fio das enxadas, a terra vira canteiro. É um acontecimento, um galho de araticum do cerrado serve de gabarito. A cada 50 centímetros, faz-se um furo de prego e se coloca uma válvula de controle de gotejamento. O trabalho da equipe avança, com um furo, uma mão e uma planta. Quando o sol vai embora, a capoeira abandonada ganha outra cara.
As hortas comunitárias resolveram um problema de abastecimento. Antes da produção local, as hortaliças só eram compradas do Ceasa de Belo Horizonte. Da capital de Minas Gerais, são 950 quilômetros até Vitória da Conquista, na Bahia. Mais 200 quilômetros até Condeúba. De lá, estradas de terra até as comunidades. Depois de dois dias e quase 1,2 mil quilômetros de viagem, tomates e cenouras chegam em péssimas condições para serem vendidos em Mortugaba.
Muitas vezes por falta de dinheiro, quase sempre por falta de hábito de quem cozinha em casa, as verduras e os legumes não costumam frequentar o prato dos moradores da região de Mortugaba (BA). As hortas comunitárias estão mudando esta história. Se alface, cenoura e beterraba são necessários, mas quase desconhecidos, a educação alimentar começa na escola.
“A merenda está quase pronta. Hoje, tem arroz com frango, salada de alface e almeirão”, informa a merendeira Maria José. Alimentos saudáveis é uma novidade bem-vinda. Nada se perde. "A gente também utiliza o talo da folha da beterraba na farofa", explica Maria José. Os pratos entram na classe para fazer parte da aula. A merenda, que completa as lições, às vezes, vale tanto quanto elas. “A gente conhece colegas que estudam aqui na escola que tem aqui a única refeição do dia. Eles vêm só para merendar”, conta Gabriele Santos Pereira, de 8 anos. Como avançar na gramática, se o be-a-bá da saúde ia ficando pra trás?
Crianças falam que nunca comeram tomate, beterraba ou rabanete. “Muitas pessoas não têm e não acompanham o prato com a verdura e essa variedade de legumes. Melhorou a questão da anemia. Tem criança que já aprendeu a comer”, diz a diretora Silvanei Araújo de Oliveira. “Comer verduras e legumes é bom para ficar forte e estudar bem”, afirma Isamara de Castro Santos, de 9 anos. Ela também aposta que já está ficando mais forte e que percebe nas notas, porque elas melhoraram. O agricultor João Cardoso da Silva planta para a família dele e para dez escolas rurais: "Dá para todo mundo. A gente tem que trabalhar para todo mundo", reconhece.
O uso racional da água na agricultura pode mudar a sina de séculos de atraso e subocupação da terra. Por causa do relevo acidentado da serra, o município de Condeúba não é próprio para a agricultura de larga escala. Um sítio na região não passa de dez hectares. O dono costuma ter uma vaquinha de leite para o consumo e consegue vender, em média, cinco bezerros por ano. Não é muito dinheiro. É difícil sustentar uma família na roça, principalmente uma como a do agricultor José Costa. Ele conta que tem 22 filhos, mas quatro deles estão em São Paulo. Os outros 18 moram com o agricultor.
Para dar comida pra todos eles, José Costa precisaria de um supermercado ou de uma horta. Há seis meses, ele entrou no projeto e cumpriu as etapas. Furou um poço, instalou a caixa d’água, trouxe o esterco, montou os canteiros e ligou as mangueiras. Ele já colhe os resultados. A senhora Zelinda encomenda a janta da janela. "Alface, couve, para fazer a salada", diz. Se é para matar a fome, não precisa pedir duas vezes. A horta ainda alimenta as famílias do vaqueiro Jovino e do pedreiro Casemiro Ribeiro.
"Estou trabalhando para poder fazer uma horta dessas em casa. Deu vontade e como não dá vontade de ver uma beleza dessas. Você chega aqui e vê um paraíso desses e se pergunta como eu posso sair fora de uma sociedade dessas'", diz Casemiro Ribeiro. Á tardinha, vem o anúncio mais esperado do dia. É uma reunião de carinhas ansiosas pela refeição, mas a fome dura pouco. Edivania, a mais velha, ajuda a servir os irmãos. A família não tem mesa para 18, mas ninguém reclama. De prato na mão, o peso que aparece é o da saúde. Um dos filhos do agricultor diz que não sente mais fome e que no dia seguinte tem que estudar. A lição das gotinhas já está aprendida e virou alegria no rosto das mães e das crianças do sertão nordestino. (Fonte: Globo Reporter)