Os municípios contam, no Supremo Tribunal Federal (STF), com um voto do ministro Eros Grau favorável à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) em operações de arrendamento mercantil do tipo leasing financeiro. No dia 4 de fevereiro, o ministro se pronunciou sobre a matéria, em sessão plenária do STF, afirmando que o leasing financeiro é um contrato autônomo que tem como núcleo o financiamento de bens móveis (veículos, por exemplo) e imóveis (apartamentos, habitações) e que, por sua vez, deve ser considerado um serviço.
Consequentemente, por ser um serviço, sofre incidência do ISS, a principal fonte de arrecadação própria dos municípios. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Grau é o relator de dois recursos extraordinários que tratam da questão. Um recurso foi proposto pelo município de Itajaí (SC) para cobrar ISS sobre operações de leasing de veículos financiados pelo banco Fiat. A instituição bancária contava com uma decisão judicial favorável para não pagar o tributo ao município.
O outro processo é do banco HSBC contra a cobrança do ISS pela prefeitura de Caçador (SC). O ministro afastou a tese dos bancos, segundo a qual o leasing não é um serviço, mas uma operação de crédito, realizada pela empresa de leasing somente para ajustar o financiamento de um bem.
Antecedentes do caso - A Constituição Federal (CF) de 1988, em seu art. 156, dispõe que a definição de serviço para fins de incidência do ISS fica a cargo de lei complementar federal. Como a publicação dessa lei ocorreu somente em 2003, 15 anos após a promulgação da CF, diversas ações que contestavam o pagamento do tributo surgiram, pelo país, no período de 1988 a 2003. No estado de São Paulo, houve um recurso extraordinário de uma empresa particular contra um município com a alegação de que a locação de bens móveis é equiparada à operação de leasing e não seria serviço. Portanto, não teria incidência de ISS.
A partir desse precedente, o banco HSBC ajuizou uma ação declaratória semelhante, contra a cobrança de ISS da prefeitura de Caçador, também sob a alegação de que o arrendamento mercantil e a locação de bens móveis são atividades equiparadas, de operação de crédito, mas não de serviço. A prefeitura de Itajaí, por sua vez, instaurou uma ação cujo objeto constituía a obrigatoriedade da cobrança de ISS do banco Fiat nas operações de leasing de veículos.
Em 2003, o Grupo da Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao se pronunciar sobre o assunto, decidiu-se pela uniformização de jurisprudência quanto aos dois últimos casos, ou seja, proferiu parecer contrário à incidência do ISS sobre leasing de bens móveis.
Guerra fiscal - Ainda em 2003, alguns municípios de São Paulo começaram a dar isenção fiscal para operações de leasing, o que atraiu diversas agências bancárias para essas cidades, ocasionando uma guerra fiscal entre os municípios. Assim, um veículo era negociado em um município, mas o recolhimento do ISS era feito em outra cidade, onde a agência bancária se estabeleceu. Por tal razão, naquele mesmo ano, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) apresentou subsídios ao Congresso Nacional que culminaram com a aprovação da Lei Complementar (LC) nº 116, de 31 de julho de 2003.
A LC determina que a prestação de serviços de intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing) é tributada pelo ISS. Além disso, a LC apresentava uma lista com mais de 100 serviços que não constavam em legislações anteriores e não eram cobrados na base tributária do ISS. Por fim, tal legislação acrescentou, no rol de exceções às duas regras de local de arrecadação (estabelecimento e domicílio do prestador de serviço), as operações de arrendamento mercantil (leasing).
Com isso, tornou-se expressa a determinação de que o município de arrecadação do ISS é aquele onde se deu a efetiva prestação do serviço. Ou seja, não interessava onde era a sede do banco, mas onde ocorreu o serviço. Na época, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também firmou tal entendimento.
O conceito de serviço - Por sua vez, as defesas dos bancos partiram do pressuposto de que a legislação brasileira não é clara ao apresentar o conceito de serviço, argumento legal que, segundo seu entendimento, deveria ser objeto de lei complementar específica. De acordo com as instituições financeiras, se uma operação não é um serviço, não pode ser tributada pelo ISS.
O caso foi, então, levado ao plenário do Supremo. Na votação do dia 4, Eros Grau se pronunciou pela constitucionalidade da incidência de ISS nas operações de leasing. Na ocasião, para que não houvesse contestações sobre o conceito de serviço em tais operações, o ministro explicou que há três modalidades de arrendamento mercantil: o leasing operacional, o leasing financeiro e o leasback.
No primeiro caso, segundo Grau, prepondera o aspecto de locação, ou seja, de se colocar um bem para utilização do locatário. Nos dois últimos tipos de leasing, o aspecto principal é a prestação de serviço, sendo que o leasing financeiro é uma atividade que somente se exerce por meio da prestação de considerável parcela de serviços diversificados.
“No arrendamento mercantil, o leasing financeiro, contrato autônomo, que não é contrato misto, o núcleo é o financiamento, não a prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do leasback”, afirmou Eros Grau.
Antes da votação do pleito, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) solicitou sua admissão no julgamento na qualidade de amicus curiae, ou seja, de entidade interessada na questão jurídica, para ampliar a discussão antes da decisão dos juízes. Eros Grau entendeu que a presença da Famurs em tal qualidade, num momento em que se julga uma questão constitucional de relevante repercussão nacional, não só era possível como desejável. O processo ainda retorna ao plenário para a decisão final da Corte. (Fonte: CNM).