A comparação do número de municípios declarados em situação de emergência ou estado de calamidade pública com os gastos do governo federal na prevenção e na recuperação das áreas afetadas por desastres naturais, inundações, deslizamentos de encostas, vendavais, secas, entre outros, revela que, apesar do aumento do número de ocorrências e de vítimas, o poder público não corrigiu o vício de remediar, precariamente, em vez de prevenir. Esse vício se reflete nos resultados financeiros dos programas federais de prevenção de desastres naturais e de reconstrução. Gastam-se de 10 a 15 vezes mais com reparos do que com prevenção.
Obras e serviços de prevenção, que muitas vezes incluem a remoção de pessoas que vivem em áreas de risco ou a proibição de construções nesses locais, não rendem votos. Já os gastos com o atendimento às vítimas, o restabelecimento dos serviços urbanos e a recuperação de bens e imóveis afetados pelos acidentes naturais tendem a ser vistos como um ato de benemerência, e não como uma obrigação do poder público.
Esse modo de gerir as políticas públicas voltadas para a defesa civil impõe um custo alto para o País, em termos financeiros, e sobretudo para as comunidades, com perdas de vidas e de patrimônio que poderiam ter sido preservados por meio de uma ação preventiva eficaz. Cada centavo que deixa de ser aplicado em prevenção pode resultar em prejuízos imensos após a ocorrência de desastres naturais, como os que afetaram o litoral fluminense e cidades históricas do Vale do Paraíba.
Até setembro de 2009, de acordo com levantamento da ONG Contas Abertas, o governo federal havia declarado em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, em decorrência de fenômenos ambientais, 841 municípios. Esse número já era maior do que o total registrado em 2008, de 831. Em 2007, foram 525 municípios.
Para minimizar as perdas com desastres naturais, o governo federal destinou, em 2009, R$ 646,6 milhões para as ações preventivas, como contenção de encostas, canalização de rios e treinamento de agentes da defesa civil. Do valor orçado, porém, apenas 21,4% (R$ 138,2 milhões) foram efetivamente gastos, de acordo com a Contas Abertas. Já o programa de "respostas aos desastres e reconstrução", que previa a aplicação de R$ 1,9 bilhão, gastou 73,7% (R$ 1,4 bilhão).
Em 2009, do total de R$ 632,2 milhões previstos para obras preventivas, apenas R$ 99,3 milhões (15,7%) foram efetivamente aplicados. Por exemplo, não se gastou nenhum centavo do R$ 1,1 milhão previsto para a construção do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres. Nada foi aplicado também no projeto de coordenação do Sistema Nacional de Defesa Civil.
As obras de urbanização e de saneamento básico incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que o governo Lula vem anunciando como a solução dos problemas nacionais, nada têm a ver com a necessidade de municípios em situação de emergência ou de calamidade pública, de acordo com a Confederação Nacional de Municípios. Ainda que tivessem, pequeno seria seu efeito: dos 11.180 empreendimentos de saneamento e habitação do PAC, apenas 819, ou 7,3% do total, tinham sido concluídos até agosto do ano passado.
Os acidentes da natureza tornam-se cada vez mais onerosos para a sociedade, perdas humanas e patrimoniais, entre outras, por causa da tolerância das autoridades com as piores distorções da urbanização acelerada, entre as quais a degradação ambiental, a ocupação de espaços sujeitos a perigos naturais, a carência de infraestrutura e a baixa capacidade de resposta do poder público em caso de catástrofes ambientais.
A falta de espírito cívico dos dirigentes públicos, preocupados com seu prestígio imediato e não com os resultados de longo prazo de sua ação, desestimula os investimentos em prevenção e geram gastos muito maiores na reconstrução e na ajuda às vítimas, além de resultar em perdas humanas em muitos casos. Enquanto prevalecer essa mentalidade, o País continuará tendo muito a lamentar. (Fonte: O Estado de S.Paulo)